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Suas memórias têm sido reais ou editadas?



O que é memória para você? De acordo com o dicionário Michaelis, um dos significados da palavra é a faculdade de lembrar e conservar ideias, imagens, impressões, conhecimentos e experiências adquiridos no passado e habilidade de acessar essas informações na mente. Para o poeta Waly Salomão, a “memória é uma ilha de edição”.


Em nosso trabalho de investigação, reunimos conceito e metáfora para concluir que, ao mesmo tempo em que o futuro não é tão infinito como imaginamos, o passado tampouco é estático como o definimos, uma vez que as nossas memórias também se tornam mutáveis conforme os acréscimos em nosso repertório de vivências. Em outras palavras, a lembrança sobre determinada ideia, imagem, impressão, conhecimento e experiência muda na medida em que vamos vivendo novas coisas.


A segunda parte que define o conceito é a habilidade de acessar essas informações na mente, mas a verdade é que o que se observa tem sido a crescente terceirização desta habilidade para dispositivos eletrônicos e/ou digitais. Há quanto tempo não decoramos um número de telefone ou as coordenadas para chegarmos a determinado lugar?


A hipérbole para essa realidade - que parece estar apenas começando - pode ser acessada no episódio “The Entire History of You”, da série Black Mirror, da Netflix. No vídeo em questão, as pessoas possuem uma espécie de pin ligado ao sistema nervoso, capaz de registrar todos os acontecimentos rotineiros para, assim, garantir que nada seja esquecido pela memória, cujo acesso passa a ser segmentado por ano, pessoa ou compartimento escolhido pelo usuário - tal qual fazemos em nossas pastas de computador.


Apesar de se referir a um futuro fantasioso - que para nós nem é tão fantasioso assim - o episódio em questão levanta a reflexão em torno do quanto as tecnologias responsáveis pela memória digital modificam a nossa relação com o passado, pois reduzem o espaço de dúvidas e superam a essência humana no que tange à possibilidade de esquecimento. Da mesma forma, a possibilidade de apagamento seletivo da memória também levanta inúmeras discussões. Entre elas, a permissividade para a manipulação consciente do passado.


Um exemplo bastante prático para continuar a reflexão: o da fotografia móvel. O artigo “How fake images change our memory and behaviour”, publicado há alguns pela BBC, demonstra a crescente preocupação em torno do quanto a manipulação de imagens pode alterar a nossa memória e o nosso comportamento. Se há décadas os pesquisadores exploram o quão pouco nossas memórias são confiáveis e facilmente subvertidas e reescritas, a combinação de tal suscetibilidade com softwares de edição de imagens potencializa ainda mais esse gap.


À medida que passamos a testemunhar mais notícias e eventos em tempo real, corremos o risco de aceitar como reais as imagens falsas que nos cercam, lembrando-nos dela como verdadeiras. A criação de falsas memórias distorcem tanto a forma como vemos o nosso passado quanto as formas como vemos o presente e imaginamos o futuro. Mas sabe o que é mais sério nessa história? Estamos normalizando isso.


Se pararmos para pensar, por exemplo, no que norteia as nossas escolhas ao buscar por um novo aparelho de celular, muitos de nós responderá que a câmera é um fator preponderante da sua funcionalidade. Soma-se a ela os filtros e programas de edições que estão sempre dispostos a melhorar a nossa aparência.


No artigo “No, You Don’t Really Look Like That”, publicado no portal The Atlantic, o escritor Alexis C. Madrigal relata a percepção em torno do quanto a sua câmera havia cruzado um limiar entre a fotografia e a fauxtografia (uma fotografia que foi alterada digitalmente para que não reflita mais a realidade). “Eu não estava tanto "tirando fotos", mas sim o telefone as sintetizando”, diz, referindo-se ao fato de que as câmeras mais modernas têm a capacidade de tirar várias fotos para sintetizar novas.


Atualmente, isso é feito de forma tão simples e natural que não nos levanta questionamentos. Se o seu telefone tem acesso a internet e o banco de imagens está sincronizando com o Google Fotos, por exemplo, é possível perceber que o próprio aplicativo da Google é capaz de trabalhar com as imagens que registramos, gerando outras ainda “melhores”.


Diante disso, passamos a bola para você: as memórias que você têm construído a seu respeito são memórias reais ou editadas. A pessoa que você recordará no futuro é a pessoa que você é hoje ou uma versão sua que você decidiu aprimorar?


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